MEU CORAÇÃO É UMA ANTÍPODA: JAPÃO E BRASIL
Em 2018, em viagem ao Japão, iniciei esta série que é composta por 3 trabalhos distintos. Primeiro, por fotografias analógicas de dupla exposição que costuram as duas terras que remontam minha descendência: primeiro fotografei alguns filmes diapositivos em Tóquio e Quioto, no Japão e, ao retornar ao Brasil, refotografei as películas em cidades do estado de Minas Gerais. Segundo, por fotografias digitais criadas com o uso de filtros analógicos de efeitos. Por fim, em 2022, estabeleci uma parceria com a fotógrafa Camila Albrecht e trocamos um filme (film swap) em que ela fotografou as cidades de Nagoya e Tsu, e eu sobrepus imagens de Ouro Preto (MG) e Maceió (AL).
Queria uma palavra para descrever de maneira simples o momento em que estamos quase dormindo, mas ainda despertos. O que a ciência chama de hipnagogia: a transição entre a vigília e o sonho. Dali a chamava de “soneca com chave”, um pequeno sonambulismo do pensamento, estar dentro e fora do corpo ao mesmo tempo, deixar escapar a matéria das ideias, ainda que se tenha a clara percepção de se estar rodeado de ossos, carne, lençóis e uma cama.
O Japão é uma grande hipnagogia. O silêncio vertiginoso dos homens e das cidades, a ausência de caos que reveste a própria natureza, o tempo empoçado por todos os lados. Noite encharcada de neon, fantasias esdrúxulas, sonhos dentro de sonhos.
Pensar com os pés, falar com os olhos e não entender quase nenhuma palavra que se diz.
Perder-se com o fuso horário, amanhecer quando todos os meus conhecidos vão dormir, avançar 11 horas no futuro e depois regredir. E o absurdo que é um avião, essa grande caixa preta: correr 17 mil quilômetros, recortar o Atlântico, a África e a Ásia, e ainda assim estar sempre sentado, imóvel, 27 horas de espera e tédio em uma cadeira minúscula.
Deito e tento dormir. Passada uma hora, não sei se cheguei a dormir um minuto sequer. Ainda assim, meu pensamento correu por lugares estranhos e longínquos, ainda que a memória destes locais desapareça rapidamente. Desperto, tenho a sensação de pertencer a todos os lugares e a nenhum. Um sentimento contraditório e agridoce me cobre por inteiro, amor profundo e distância absurda. Corpo inerte e a plena sensação de estar vivo: sentimento me escapando das veias e eu me esparramando pacífico por todos os lados.